primeira estória sobre o luar

Quando ele puxou para arrancar aquele fruto do céu se escutou um rebentamundo. A lua se cintilhaçou em mil estrelinhações. O mar se encrispou, o barco se afundou, engolido num abismo. A praia se cobriu de prata, flocos de luar cobriram o areal. A menina se pôs a andar ao contrário de todas as direcções, para lá e para além, recolhendo os pedaços lunares. Olhou o horizonte e chamou:
- Pai!

São meros interlúdios de poesia. Ou de lirismo. Este, o primeiro, fala de luar. Ou do luar. Talvez todos falem, no final. Do luar e de uma menina que não conseguia adormecer.

- Eu sonhei que tu vinhas cantar-me.
- E porquê me sonhaste?
- Porque aqui não há voz vivente.
- Eu também sonhei que haveria de pousar em ti.
- Eu sei. Agora vais cantar em luar. Eu sonhei assim e nenhum sonho é mais forte que o meu.

Mia Couto, Contos do Nascer da Terra
(excertos dos contos A menina sem palavra e A Luavezinha)