zero zero oito
Sangue. Sangue novamente. Ainda que por um motivo diferente.
Um respirar fundo. Um soluçar. Em seu redor a tenda parecia mais escura. Teriam passado então quatro semanas de viagem. Quatro semanas de noites partilhadas com o capitão da guarda, que ainda gemia à sua frente, rosto contorcido em dores, a boca transformada numa mistela de dentes partidos e pele rasgada. Quatro semanas a adormecer naquela tenda. Quatro semanas a conhecer aquela tenda. A memorizar a luz naquela tenda. Nunca havia sido diferente antes. Mas agora a luz era mais fria.
Mirra estava curvada sobre uma pequena bacia de metal com água. Lavava-se. As suas costas de marfim eram sacudidas pelos soluçares pesados dum choro abafado e sem lágrimas. A parte superior do seu vestido estava rasgada e não ocultava mais o seu corpo ainda jovem. Tinha seios cheios, belos, e um ventre liso que antecedia ancas salientes, mas não muito. O seu corpo, apesar de então marcado com nódoas negras e lama, dádivas de Itgard, ainda chamava a atenção. Todo o tipo de atenção. Da que é desejada e da que é indesejada.
Novo respiro. Silêncio. A sua face arredondada, de nariz pequeno e habitualmente emoldurado em caracóis cor-de-fogo estava inchado no sobrolho esquerdo, onde tinha recebido a cabeçada. Aquela que de uma vez por todas a fez crer que aquela noite seria a sua pior. Os seus lábios carnudos, vermelhos, estavam ainda mais vermelhos. Sangue fluia dos cortes feitos pelos dentes do bárbaro ruivo. Ele gostava de trincar.
As suas mãos finas e delicadas permaneciam perfeitas. Tinha os tendões doridos, da força com que agarrava e com que empurrava. Mas tinha sido em vão. Tinha as unhas sujas com sangue e pequenos bocados de pele enlameada, da vontade com que arranhava e com que lutava. Em vão. Aquelas mãos, tão hábeis com uma harpa, tão ternas nos cabelos dos homens que amou, tão sedutoras para aqueles com que se deitou. Apesar de tudo permaneciam intactas. Mas sujas. Tão, tão sujas.
Levou-as novamente à bacia com água. Continuava a esfregar-se. A tentar limpar-se. Mas onde quer que tocasse, sujidade. Sentia uma imundície tão presente que receava-a eterna. Como se estivesse sempre com ela, e se mantivesse de ora em diante sempre nela.
Levou a mão à vulva. Um novo soluçar. Uma dor que se atravessava como uma faca. Mas não ia gemer. Não ia dar essa satisfação ao bruto semi-desperto que respirava suavemente atrás de si. Levou a mão mais abaixo, mais dentro. Sabia-se rasgada. Onde ele tinha estado sentia-se destruída. A sua feminilidade para sempre conspurcada.
De costas para Itgard, lágrimas jorravam-lhe agora. Quentes. Pingavam para a bacia, diluindo um pouco o sangue. Em vão.
Nas suas costas sentia o calor de ser observada. Os olhos escuros do grande e terrível bárbaro estavam depositados entre as suas omoplatas. Sem o ver, escuta-o inspirar pelo nariz. Assobiou um bocadinho. Disse numa negra ternura retorcida, "Minha lebre..."
Mirra queria morrer.
007
Um respirar fundo. Um soluçar. Em seu redor a tenda parecia mais escura. Teriam passado então quatro semanas de viagem. Quatro semanas de noites partilhadas com o capitão da guarda, que ainda gemia à sua frente, rosto contorcido em dores, a boca transformada numa mistela de dentes partidos e pele rasgada. Quatro semanas a adormecer naquela tenda. Quatro semanas a conhecer aquela tenda. A memorizar a luz naquela tenda. Nunca havia sido diferente antes. Mas agora a luz era mais fria.
Mirra estava curvada sobre uma pequena bacia de metal com água. Lavava-se. As suas costas de marfim eram sacudidas pelos soluçares pesados dum choro abafado e sem lágrimas. A parte superior do seu vestido estava rasgada e não ocultava mais o seu corpo ainda jovem. Tinha seios cheios, belos, e um ventre liso que antecedia ancas salientes, mas não muito. O seu corpo, apesar de então marcado com nódoas negras e lama, dádivas de Itgard, ainda chamava a atenção. Todo o tipo de atenção. Da que é desejada e da que é indesejada.
Novo respiro. Silêncio. A sua face arredondada, de nariz pequeno e habitualmente emoldurado em caracóis cor-de-fogo estava inchado no sobrolho esquerdo, onde tinha recebido a cabeçada. Aquela que de uma vez por todas a fez crer que aquela noite seria a sua pior. Os seus lábios carnudos, vermelhos, estavam ainda mais vermelhos. Sangue fluia dos cortes feitos pelos dentes do bárbaro ruivo. Ele gostava de trincar.
As suas mãos finas e delicadas permaneciam perfeitas. Tinha os tendões doridos, da força com que agarrava e com que empurrava. Mas tinha sido em vão. Tinha as unhas sujas com sangue e pequenos bocados de pele enlameada, da vontade com que arranhava e com que lutava. Em vão. Aquelas mãos, tão hábeis com uma harpa, tão ternas nos cabelos dos homens que amou, tão sedutoras para aqueles com que se deitou. Apesar de tudo permaneciam intactas. Mas sujas. Tão, tão sujas.
Levou-as novamente à bacia com água. Continuava a esfregar-se. A tentar limpar-se. Mas onde quer que tocasse, sujidade. Sentia uma imundície tão presente que receava-a eterna. Como se estivesse sempre com ela, e se mantivesse de ora em diante sempre nela.
Levou a mão à vulva. Um novo soluçar. Uma dor que se atravessava como uma faca. Mas não ia gemer. Não ia dar essa satisfação ao bruto semi-desperto que respirava suavemente atrás de si. Levou a mão mais abaixo, mais dentro. Sabia-se rasgada. Onde ele tinha estado sentia-se destruída. A sua feminilidade para sempre conspurcada.
De costas para Itgard, lágrimas jorravam-lhe agora. Quentes. Pingavam para a bacia, diluindo um pouco o sangue. Em vão.
Nas suas costas sentia o calor de ser observada. Os olhos escuros do grande e terrível bárbaro estavam depositados entre as suas omoplatas. Sem o ver, escuta-o inspirar pelo nariz. Assobiou um bocadinho. Disse numa negra ternura retorcida, "Minha lebre..."
Mirra queria morrer.
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