zero zero sete

Rolf tinha olhos curiosos que vagueavam por entre as tendas. Estava rodeado por um burburinho pontuado por gritos de homens que morriam. De mulheres que cediam. De crianças, cinco, que choravam.

Corria, mão ainda pouco calejada a segurar uma lança. Na mente tinha a imagem duma lebre, segura pelo cachaço, na mão enorme dum gigante vermelho. Rolf gostava de lebres. Não lhe faziam mal e apreciava a forma como se evadiam do perigo. Ágeis. Determinadas. Irrequietas. Vivas. Gostava delas vivas.


Continuava a correr, a ignorar o que via, a aparentar-se ocupado. A ideia de derrubar uma mulher e ocupá-la fazia-lhe confusão, ainda que fosse uma prática habitual entre os da sua tribo. Soava-lhe injusto, ainda que justiça fosse vendida como "um deve valer-se do seu poderio físico para conquistar aquilo que lhe pertence". Estas eram as palavras de Ghunn, o ancião, proferidas em tantas aulas de combate.

Parecia tudo tão disparatado. Rolf continuava a correr, confuso, a parecer o mais ocupado que conseguisse. Não queria perguntas. A dado ponto deparou-se com o seu chefe. Brunn. Estava só. No topo duma rocha. Ainda coberto de lama, era uma figura negra, sem cor. Apenas os olhos indicavam vida. Dois incêndios numa montanha distante. Rosto ausente. À frente dele, ainda à chuva, estavam as cinco crianças. Soluçavam. O terror inicial começava a destilar-se, a transformar-se num medo constante, ainda que mais tolerável. Viam Brunn como o papão e esperavam agora a sua vez, para se juntarem aos seus pais.

Brunn reparou em Rolf, e o rapaz sentiu-se um pouco intimidado. Aquele era o Grande Caçador, impossível de ler. Numa voz seca, disse "Não há mais nada a fazer, rapaz. A noite acabou. Para que corres?"
Rolf engoliu em seco. Trémulo, respondeu "Procurava mais armas". Não convencia.
Um sorriso conhecedor rasgou-se na cara de Brunn. "Pior que não pertencer é pertencer mentindo."
"Mas Ghunn ensinou que..."
"Os velhos protegem-se de nós com ensinamentos. Porque sabem que a força os abandonou. Usam a sabedoria como uma corda. Para nos amarrar."
Rolf olhava fixamente nos olhos de Brunn. Via apenas fogo.
Usa o teu... poderio físico", disse, enquanto deixava cair outro sorriso, "para te manteres de pé. Não para seres um cobarde que se amontoa em alguém indefeso. Trilha o teu caminho."

Rolf foi correr mais um pouco. Mais confuso.

"Indefeso... E as crianças?". Continuava a imaginar uma lebre. Segura pelo cachaço na mão rígida duma sombra negra com olhos de fogo.

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