Estava Eu a Fazer Contas...

Estranho que no meio desta história toda da crise financeira duas coisas ainda não tenham acontecido:
A) O framework mental da população em geral não tenha mudado de "não tenho dinheiro" para "o meu orçamento não suporta". Parece uma mudança insignificante, mas está assente num pilar fundamental: dinheiro tem de haver sempre. O povo gere o que tem na carteira ou na conta duma forma muito reativa, em vez de proativa. Óbvio que mudar a forma de falar não chega, mas uma mentira dita muitas vezes, vira verdade mais dia menos dia.
B) Orçamentação não seja lecionada no ensino básico ou preparatório. Isto facilita o ponto anterior. Se a população em geral souber gerir as suas finanças dum modo mais disciplinado, não serão só mais responsáveis com o seu dinheiro, como serão mais exigentes com quem gere o dinheiro de todos. Este é o crux.

Preocupa-me o facto da crise, independentemente de quem tenha tido a culpa, tenha sido compactuada por todos por muito tempo. Somos todos responsáveis pelo estado da Nação, que a Monarquia e a ditadura já eram. A democracia é do povo, somos senhores do nosso destino. Temos máquinas fantásticas que fazem contas e acumulam dados. Temos os meios necessários para sermos vigilantes. Para o melhor ou para o pior, não se fez o barulho suficiente antes do barco começar a afundar. Enquanto tudo estava bem, todos estavam calados, a usar essas máquinas fantásticas para fazer Likes.

Existe um sistema em que os mais ricos e capazes exploram os mais pobres. Mas nunca foi um roubo à mão armada. Foram-se vendendo sonhos. Literalmente sonhos, que agora não temos nada, excepto mais contas para pagar. Se munirmos toda a gente com as ferramentas para perceber como o dinheiro funciona, então damos um passo em frente, criamos resistência no sistema.

Mas não ouço nem vejo nada nesse sentido. Vem a Troika dizer como se faz, abanamos a cabeça e dizemos "sim senhor, assim faremos senhor, a muito custo senhor" mas não nos viramos uns para os outros e exclamamos "nunca mais!" Não questionamos a um nível muito básico como chegamos aqui, e que raio temos de fazer para nunca mais cair neste buraco.

Exige-se menos austeridade, e apesar disso ser legítimo, não se exige mais conhecimento. Impõem-se medidas e controlos, regras, mas não se trabalha a mudança de comportamento a um nível generalizado.

Perturba-me. Perturba-me p'ra caralho.

Mas pronto, ide lá então curtir o sol e as férias e as esplanadas, e queixar dos políticos e da exploração a que todos estão sujeitos, ao som do Kuduru, copinho de fino na mão. Eu continuo por cá, a ser um falso patriota.