A morte de Mr. Jekyll e Dr. Hyde

Este corpo. Este corpo aqui. Este corpo que eu julgava deter-me. Este corpo que me liga à realidade. O último porto.

Contei-os. Contei-os e descobri serem Cinco.
Cada um, uma porta, um acesso.
E eu desliguei-os.
Fiquei só na minha mente.
E a barreira não parava de tremer face aos seus golpes.
A barreira não cessava de diminuir face aos seus rugidos.
Foi com o primeiro gole que o fim começou.

O monstro. O anarca. A besta que eu julgava alojada na minha mente.
Cá dentro. Imaginava a minha mente dividida, consciente e subconsciente, e por isso receava-me, o meu alter-eu.

Falso. Completamente falso, pois a minha mente não é tão vasta como eu a julgava. O anarca, o sentimento, mora não na minha mente, mas no meu corpo. Nas veias sinto o seu correr, na minha carne o seu pulsar, nos meus ossos a sua dureza.
Ignorava-o. Ao meu corpo. Limitava-o aos Cinco, quando ele é mais. Quando ele é assombrado, quando é definitivo que a minha mente, o meu antigo eu não está presente em todas as células.
O meu corpo, feral, atacou-me, golpeou a minha mente fechada, ansiando resposta, reconhecimento. E todo este tempo lhe foi negado. Eu não sou apenas ideias e conceitos, valores e princípios, as emoções não se manifestam unicamente no cérebro. Há vida em mim. Há acções e reacções em cada ponto meu. Há paixão e desilusão. Há sonhos e pesadelos. Nos ombros, nas mãos, nas pernas. No peito. Há limitações. Tanto na minha mente como no meu corpo. Ele é o espelho, a manifestação do meu pensar. Do meu ser e do meu estar.
E agora sei que da mesma forma que não sou fisicamente dominante, mas mentalmente mais capaz, sei também que o meu lado carnal tem o seu lugar. Não mais deverá ser considerado uma limitação, ou aberração, cuja única finalidade é saciar os Cinco, mas algo com potencial, ainda que limitado.
Será o peito e o calor de alguém que não eu. A imagem e o símbolo de alguém que sou eu. Já não mais será um casulo onde me manifesto, mas um divino emparelhamento que se manifesta em necessidades, desejos, calor, frio, cor, suavidade, rugosidade, prazer, dor… Instinto.
O subconsciente, concluo então, não é na mente, é no corpo. A alma não é no coração, mas algo que reside no instante em que ele bate e eu o sinto bater.