Noiva Atómica
Para um qualquer 6 de Agosto de 1945
A minha vida é agora a tua.
A tua vida é agora a minha.
O nosso destino é para sempre
Caminharmos a mesma linha.
Não podia estar mais exaltado,
Mais perto, mais apaixonado.
O teu sorriso demorado...
A minha reacção de atrasado.
Mítica figura de voluptuosas proporções,
De olhos luzidios e de ternas feições,
Dançaremos um no outro fechados
Neste nosso primeiro dia de casados.
De grinalda encarnada,
De sorriso e saia rodada,
Reage à onda de choque
Inesperada.
Fervilhante sopra a brisa.
E naqueles ombros sedosos
Os cabelos agitam-se negros
E furiosos.
Nuvens púrpura
Por raios verdes rasgadas
Mil sóis nos olhos dela consumindo
Milhões de vozes silenciadas
Como se importasse...
A pele morena evapora-se.
Nas feições, um esgar
Acentuando-se. Marcando-se.
Depois dentes, não lábios.
Buracos por olhos
Depois crânio, não rosto.
Vácuo por corpo
Depois pó, não pessoa.
Um céu de fogo que não admite anjos.
Para onde vai a minha noiva?
Somos um povo de areia e desilusões.
Somos gente que se escapa por entre os dedos.
Somos algo que não fica convencido
Que não resiste ao botão vermelho
Ao grande botão vermelho.
Atacar o coração da matéria
E num atómico momento
Uma faísca maior que a vida.
Somos gente que se varre com o vento quente.
Somos população queimada.
Somos ossos e sonhos desfeitos.
Casamento em triplo momento
Largar – Detonar – Aniquilar
E depois a eternidade encerra-se
Num nada de coisa nenhuma.
Nenhuma vida,
Portanto
Nenhuma morte
Que nos separe.