O Aprendiz - IV
- Pessoas confinadas depois de uma noite sem luar, de uma revelação sem aviso, uma tortura sem fim, uma voz que repentinamente se silenciava com a noite, um resquício de vida embutida num cárcere no topo de uma qualquer torre de um qualquer castelo de um qualquer condado pois agora a vida do nobre atormentado era para todos os efeitos e todas as pessoas do passado...
- Indiferente… (o teu rosto, os teus lábios finos sorridentes, o teu olhar azul límpido, vazio, a tua voz melodiosa, harmoniosa e falsa)
- Embutidos por deixarem de conhecer quem foram, o que sonhavam, o que necessitavam. Fora-lhes arrancada do peito a razão de viver e agora não mais eram que vasos ocos, adereços de masmorra, aporreados por uma vida como tu dizes…
- Tudo isso é indiferente… (o teu corpo alto como se perpetuamente tentando tocar o céu, as tuas vestes brancas aladas, a começarem elas também a revelar sinais da minha sede de justiça)
- A tudo ou com a alternativa de ser uma vida insuportável a tudo. E não me voltes a interromper, mentiroso, Mestre da Má Fé. Eu ainda não acabei. E tu vais-me explicar tudo…
- Má Fé? Realmente… Ouve tu, insignificante, sempre te ensinei a respeitar os teus superiores. É assim que os tratas? Me tratas?! Cão! Raça de cães! Homens? Imbecis. Achas estranho milénios de mentiras por descobrir? Foi sempre fácil com os da vossa raça, sempre idolatrando os Anjos, sempre certos que nós vos guardaríamos… E ainda que um dos vossos nos descobrisse, tal como tu pareces ter feito, os restantes não acreditariam, jamais. E por teres ousado dirigir-te a mim por Tu, por monstro, vou fazer dos meus avisos ameaças, das minhas ameaças actos. Talvez tenhas um acidente, como aquele que tanto sonhas, a varanda e a vertigem. É isso não é? Ah! As vantagens de te conhecer bem. Irónico, não achas?
E então sorris, um sorriso também cristalino, também vazio, também mentira, também fabricado pois nem na hora da vitória os da vossa espécie sabem ser sinceros, sorris e ergues a mão fina e pálida, a meia luz que atravessa as pequenas janelas nos dedos que assumem as formas daquilo que eu já esperava, a posição para a Deslocação, e apontando-os para mim, começas a tentar mover-me. E não consegues. Primeiro um olhar de estranheza, uma segunda tentativa, um olhar de descrença, uma terceira tentativa, um olhar de incerteza, uma quarta, uma quinta, um medo, um pavor, uma certeza…
- Tu!
- Mais forte que tu…
- Porque é que estou encharcado? Porque é que está tudo tão húmido?
O Mestre tomba perante o Aprendiz.
(continua)