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As preparações para o festim iam adiantadas. Três grandes fogueiras, dispersas pelo centro do acampamento aguardavam pelo fogo, fartas em lenha e acendalhas. As tendas tinham todas um aspeto robusto. As bases eram habitualmente feitas com lama seca, ou barro se acampassem junto a um rio. Estavam rodeadas por paredes em peles de animal, a convergirem numa viga de suporte e a dobrarem como telhado. Brunn tinha a maior tenda e era lá que A-Sua-Mulher-de-Agora recuperava.

Os outros da tribo aproximavam-se rapidamente dos dois amigos, eufóricos pelo nascimento de E., e de repente, silenciados em espanto com o tamanho do alce abatido por Brunn. Itgard foi o primeiro a quebrar esse silêncio. Costumava sê-lo sempre.


"O Grande Líder impressiona outra vez, irmãos! Vejam a oferenda para o seu descendente! Tamanha abundância assinala a chegada daquele que traz prosperidade!"

A tribo exaltou-se em uníssono. Exceto um deles. Mais recuado, preocupado, estava Ghunn, o Sábio. Era o braço direito de Brunn, e seu tio. Veterano de caçadas e das chamadas colheitas, antes de Brunn era ele quem tinha o título de Grande Caçador. Olhos de águia, ainda rápidos, viram o pai de Brunn ser morto por bárbaros duma tribo diferente há tempos já distantes. Braços fortes, ainda musculados, seguraram outrora o corpo ferido do irmão, enquanto lágrimas lhe escorriam da face. Uma boca que albergava um sorriso duro, agora apagado, prometeram então tomar a seu cargo a educação do herdeiro.

Por mais sério que o Grande Caçador conseguisse ser, perante este velho seria sempre um rapaz insolente e curioso, arrojado e determinado. Ghunn teve de pegar em todo aquele metal incandescente que era a essência do rapaz, e moldá-lo. Bateu-lhe e afiou-o. Arrefeceu-o. Endureceu-o. Até ser uma força controlada. Com propósito. O Sábio orgulhava-se do seu trabalho. Mas não naquele dia.

"Traz prosperidade, sim. Mas a que custo? Sobrinho, este descuido não foi algo que te ensinei.", disse, enquanto se aproximava.

"Tio", começou Brunn, com traços de embaraço no rosto, a responder. Ghunn interrompeu-o, palavras carregadas com princípios de acção.

"Certamente que se deve à pressa de ver o teu rapaz. É um rapaz, aliás. Tem os olhos dela. Escolhe mais dois para vigias. Teremos lobos esta noite. Os outros, para a festa! Temos de celebrar."

"Ouviram o ancião! A tradição impõe-se!" exclamou Itgard, meio irónico. Ghunn reagiu apenas olhando para o ruivo com o desdém habitual.

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