zero zero seis
A festa
seguia animada. No céu da noite não se via uma nuvem, e não havia
Lua. As grandes piras ardiam intensamente, ofuscando assim as
estrelas e saturando o ar com um cheiro de alce e especiarias a cozinhar na brasa. No planalto
onde o acampamento estava montado, aquela festa era o único ponto
luminoso da Terra.
Cerca de duas Luas Novas e meia antes daquela noite de celebração, uma das colheitas havia levado os guerreiros da tribo até à periferia da cidade. Não era costume aventurarem-se tão perto da civilização onde podiam ser caçados e destruídos pela Guarda de Jade. Num fim de tarde chuvoso em Outono, seis rudes figuras a cavalo aproximaram-se duma caravana de mercadores de vinho, que se preparava para pernoitar, antes de partirem para mais um dia rumo a Grande-Gothlam-no-Oriente.
Os bárbaros esperaram pelo cair da noite. Havia Lua Cheia, e apesar das nuvens, havia também vento que as movia, permitindo ao luar criar relances claros sobre as vítimas dormentes. O vinho que transportavam e usavam tinha-as tornado particularmente moles, lentas. Os guardas inexperientes não ofereciam segurança, apenas a sua ilusão.
A chuva tinha entretanto abrandado, até ser apenas um chuviscar ligeiro. Os caçadores estavam agachados, entre rochas e erva. Rastejavam lentamente rumo ao alvo. Cobra brava, momentos antes de se lançar à presa. O Grande Caçador ergueu-se. Brunn. Estava coberto em lama. O luar da noite banhava o seu corpo sujo e molhado e rígido, tornava-o desumano. Bestial. A ele e aos seus cinco. Erguiam-se agora também. Todos. Curvados. Punhos cerrados sobre lanças e adagas. Ao acenar pronto do seu chefe, saíram rápidos. Silenciosos. Cobra brava de mandíbula pronta, sem hesitação.
Quatro guardas caem, quase em simultâneo, sem se aperceberem da chegada das figuras negras, de dentes cerrados e lâminas em riste. Dez batidas de coração depois, mais dois mortos. Um sétimo ainda se apercebe, ainda tenta berrar, mas uma lança já o trespassava. O Caçador não falhava, nunca aquela distância. Brunn moveu-se rápido para as tendas. Os outros acompanhavam-no, na procura de mais resistentes, exceto dois. Um grande, de longos cabelos e barbas vermelhas sujas. Outro mais pequeno, nervoso.
O capitão dos guardas acordou finalmente, com os movimentos e as quedas secas de corpos sem vida no chão. Saiu do lado da harpista com quem dormia essa noite. Levanta-se, exclama "o que..." mas já era tarde. Itgard acabava de lhe explodir o maxilar com um potente soco cruzado de esquerda, e então caía, caía sem força nas pernas. Inerte, é chutado violentamente pelo Furacão Vermelho que então se lançava apressado e intumescido para cima da então aterrorizada Mirra, a Música.
"Hei Itgard! Como sabes se os tomamos todos?" questionou Rolf, o mais pequeno de tamanho, ainda rapaz, ainda nervoso. O seu inocente entusiasmo deixava-lhe a cara coberta de lama com um sorriso que lhe tornava a feição demoníaca.
"O Grande Caçador... quieta. Ele... hei, eu disse, quieta!" respondeu Itgard, interrompendo-se com uma cabeçada à sua vítima. Ouviu-se uma pancada seca. Um gemido. Um render de guarda. Uma inevitabilidade que se instalava. "Brunn e os outros não têm como falhar, pequenote. Este é o coração do acampamento destes cobardes. E sem coração eles caem. Aha!" Sangue que não era seu começava a empapar-se com a terra nas suas barbas.
"Quando eu acabar, se quiseres é tua. Ou podes fazer-te homem, e arranjares tu a tua lebre."
005
Crudes
instrumentos de osso eram soprados. Os bárbaros da tribo
chamavam-lhes Ossos de Kron, em homenagem a um dos seus antigos, que
lhes mostrou que os instrumentos dos vigias, com mais dois ou três
furos, podiam produzir música além dos aterradores ululares de alarme. Tinham também alguns
tambores feitos de peles de animais e de homens, que produziam o
ritmo onde assentavam as melodias dos Ossos, e de uma outra coisa.
Uma nova coisa. A música carregava um detalhe, ainda escutado por
poucos. O som de uma harpa.
-/\-
Cerca de duas Luas Novas e meia antes daquela noite de celebração, uma das colheitas havia levado os guerreiros da tribo até à periferia da cidade. Não era costume aventurarem-se tão perto da civilização onde podiam ser caçados e destruídos pela Guarda de Jade. Num fim de tarde chuvoso em Outono, seis rudes figuras a cavalo aproximaram-se duma caravana de mercadores de vinho, que se preparava para pernoitar, antes de partirem para mais um dia rumo a Grande-Gothlam-no-Oriente.
Os bárbaros esperaram pelo cair da noite. Havia Lua Cheia, e apesar das nuvens, havia também vento que as movia, permitindo ao luar criar relances claros sobre as vítimas dormentes. O vinho que transportavam e usavam tinha-as tornado particularmente moles, lentas. Os guardas inexperientes não ofereciam segurança, apenas a sua ilusão.
A chuva tinha entretanto abrandado, até ser apenas um chuviscar ligeiro. Os caçadores estavam agachados, entre rochas e erva. Rastejavam lentamente rumo ao alvo. Cobra brava, momentos antes de se lançar à presa. O Grande Caçador ergueu-se. Brunn. Estava coberto em lama. O luar da noite banhava o seu corpo sujo e molhado e rígido, tornava-o desumano. Bestial. A ele e aos seus cinco. Erguiam-se agora também. Todos. Curvados. Punhos cerrados sobre lanças e adagas. Ao acenar pronto do seu chefe, saíram rápidos. Silenciosos. Cobra brava de mandíbula pronta, sem hesitação.
Quatro guardas caem, quase em simultâneo, sem se aperceberem da chegada das figuras negras, de dentes cerrados e lâminas em riste. Dez batidas de coração depois, mais dois mortos. Um sétimo ainda se apercebe, ainda tenta berrar, mas uma lança já o trespassava. O Caçador não falhava, nunca aquela distância. Brunn moveu-se rápido para as tendas. Os outros acompanhavam-no, na procura de mais resistentes, exceto dois. Um grande, de longos cabelos e barbas vermelhas sujas. Outro mais pequeno, nervoso.
O capitão dos guardas acordou finalmente, com os movimentos e as quedas secas de corpos sem vida no chão. Saiu do lado da harpista com quem dormia essa noite. Levanta-se, exclama "o que..." mas já era tarde. Itgard acabava de lhe explodir o maxilar com um potente soco cruzado de esquerda, e então caía, caía sem força nas pernas. Inerte, é chutado violentamente pelo Furacão Vermelho que então se lançava apressado e intumescido para cima da então aterrorizada Mirra, a Música.
"Hei Itgard! Como sabes se os tomamos todos?" questionou Rolf, o mais pequeno de tamanho, ainda rapaz, ainda nervoso. O seu inocente entusiasmo deixava-lhe a cara coberta de lama com um sorriso que lhe tornava a feição demoníaca.
"O Grande Caçador... quieta. Ele... hei, eu disse, quieta!" respondeu Itgard, interrompendo-se com uma cabeçada à sua vítima. Ouviu-se uma pancada seca. Um gemido. Um render de guarda. Uma inevitabilidade que se instalava. "Brunn e os outros não têm como falhar, pequenote. Este é o coração do acampamento destes cobardes. E sem coração eles caem. Aha!" Sangue que não era seu começava a empapar-se com a terra nas suas barbas.
"Quando eu acabar, se quiseres é tua. Ou podes fazer-te homem, e arranjares tu a tua lebre."
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